Por Dra. Doris Hexsel
Dermatologista, Especialista pela Sociedade Brasileira de Dermatologia
Professora concursada de Dermatologia da Universidade de Passo Fundo, RS, Brasil.
Parece que a técnica que nós, dermatologistas, utilizamos com tanta freqüência para fins estéticos pode trazer conseqüências fisiológicas e interferir nas relações sociais de maneira positiva. O artigo recentemente publicado pelo Journal American Academy of Deramtology de Junho de 2008 (Alam et al. Botulinum Toxin and the facial feedback hypothesis: Can looking better make you feel happier? J Am Acad Dermatol. 2008;58(6):1061-72) , mostra esta realidade de maneira clara.
Os músculos do terço superior da face são os principais responsáveis pela expressão de sentimentos negativos. A contração dos músculos corrugadores e procerus está diretamente associada à expressão destas emoções. Darwin já apontava os músculos corrugadores como o músculo do “distúrbio”, por expressar tristeza, raiva e medo. O músculo frontal também está evolvido nesta função, pois também participa das expressões de tristeza e medo. Em contrapartida, os músculos orbiculares dos olhos, maiores responsáveis pelas rugas de expressão conhecidas como “pés de galinha”, estão envolvidos no sorriso, ou seja, denotam sentimentos de alegria e felicidade.
Na maioria dos tratamentos estéticos em que se utiliza a toxina botulínica estes músculos são tratados, uma vez que estão relacionados as rugas de expressão. Entretanto, qual o impacto que este procedimento traz ao indivíduo quando a atividade dos referidos músculos está reduzida?
Alam et al., revisaram extensivamente este tema e apontaram os estudos de Ekman e Levenson, que suportam a hipótese de que as expressões faciais podem criar experiências biológicas e emocionais internas, em vez de serem somente a manifestação de um estado antecedente a uma emoção.
O artigo em discussão também comenta que quando o paciente se submete a injeções de toxina botulínica, ele não só obtem o benefício estético de rejuvenescimento, mas experimenta alterações fisiológicas e emocionais que lhe garantem uma melhor qualidade de vida, pela hipótese do feedback facial. Para reforçar essas idéias, Alam et al, citaram alguns artigos que propõem esta relação. Um deles, apresentado por Strack et al., mostrou que indivíduos que eram solicitados a colocar uma caneta entre os dentes para avaliar desenhos, simulando um sorriso, achavam desenhos animados mais divertidos em comparação aos indivíduos que não usavam esta técnica. Já Larsen et al., fizeram um experimento colocando dois suportes de Golfe (tee) em cada lado da testa de voluntários e solicitaram que eles tentassem aproximá-los (simulando franzimento). Quanto estes indivíduos foram solicitados para olhar para fotos desagradáveis, eles relatavam que estas eram mais negativas do que aqueles que não realizavam esta tarefa. Em outro estudo, Strack e Neumann avaliaram o grau percebido pelos voluntários quanto à fama de celebridades. Nesse experimento, eles observaram que os participantes que franziam a testa reportavam que as celebridades eram menos famosas em comparação aos que não franziam.
Os autores do artigo que é objeto deste comentário referem que existem evidências de que as expressões faciais também causam alterações fisiológicas. Algumas dessas pesquisas, que induziram emoções negativas através da lembrança de eventos desagradáveis, mediram as atividades cerebrais e musculares dos pacientes. Nestes indivíduos observou-se um aumento na atividade do músculo corrugador e a redução da atividade cerebral da região frontal direita. Em contrapartida, quando lembravam eventos agradáveis, ocorreu aumento da atividade do músculo zigomático (músculo do sorriso) e declínio da atividade cerebral na região frontal esquerda. Esses estudos concluíram que as alterações fisiológicas não diferem somente entre emoções negativas e positivas, mas também nas distintas emoções existentes.
Nos tratamentos cosméticos com toxina botulínica, o relaxamento do músculo corrugador e de músculos adjacentes pode reduzir a expressão de raiva e de outras emoções negativas. Isto não significa que os episódios desagradáveis da vida não sejam sentidos, mas demonstra que estes sentimentos não serão reforçados pelas expressões faciais correspondentes. Nesse sentido, a utilização da toxina botulínica em níveis terapêuticos adequados não impedirá completamente a comunicação destas experiências emocionais.
Supõe-se que a emoção interna possa ser modificada quando acentuamos ou aliviamos a intensidade da expressão facial externa. Assim, com a redução da expressão negativa através do uso cosmético da toxina botulínica, espera-se que o indivíduo passe a ter uma expressão mais positiva. Associando esta idéia à teoria do contágio emocional e da mímica facial positiva, estes sujeitos tenderiam a afetar o estado emocional das pessoas ao seu redor, auxiliando, dessa maneira seu convívio social.
As questões levantadas e discutidas no presente artigo são bastante interessantes e promissoras. Mas, cabe comentar outras duas importantes publicações prévias que seguem o mesmo raciocínio. Heckman e cols1 (2003) mostraram em seu estudo que a denervação dos músculos responsáveis pelo franzimento da região frontal produzida pela toxina botulínica tipo A, levou a uma mudança significativa nas 4 emoções básicas. As expressões destes indivíduos foram definidas como mais alegres, com menor intensidade de raiva, medo e tristeza (nesta ordem), comparados aos não tratados. O autor concluiu que o uso de toxina botulínica acentua as expressões faciais positivas. Já Finzi e Wasserman2 (2006), publicaram uma série de casos, em que 9 pacientes dos 10 tratados com toxina botulínica e antidepressivos apresentaram melhora da sintomatologia depressiva, medidos pelo Inventario de Depressão de Beck. Este artigo foi o primeiro a associar o tratamento da depressão e toxina botulínica.
A análise desses estudos nos leva a concluir que a dermatologia cosmética tem um vasto campo a ser estudado e parece ser muito mais complexa do que inicialmente se imaginava. Os benefícios que se somam às injeções de toxina botulínica, além da melhora estética e já comprovada na qualidade de vida dos pacientes tratados, mas também mostram o quanto esta técnica satisfatória é, ao mesmo tempo, instigante, necessitando maiores estudos. Vale lembrar também que este procedimento deve ser realizado por profissionais experientes, uma questão importante para a obtenção dos resultados desejados.
Referências complementares:
1- Heckman M, Teichmann B, Schroder U, et al. Pharmacologic denervation of frown muscles enhances baseline expression happiness and decreases baseline expression of anger, sadness and fear. J Am Acad Dermatol. 2003;49:213-6.
2- Finzi F, Wasserman F. Treatment of depression with botulinum toxin A: a case series. Dermatol Surg 2006; 32; 645-9.